quinta-feira, 5 de julho de 2012

Vidraça Exposta (ISTOÉ: Edição: 1794 - 25.Fev.04 - 10:00 - Atualizado em 01.Jul.12 - 00:57)

A Vidraça Exposta e a Memória do Elefante

Em 2004, segundo ano do primeiro governo Lula, eclodiu um escândalo que ameaçou o então todo-poderoso ministro José Dirceu. Seu principal assessor, Waldomiro Diniz, havia sido gravado pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira, pedindo propina para ajudar na liberação dos bingos. Naquele episódio, pela primeira vez, manchou-se a imagem do PT, que, depois, viria a ser arranhada por uma série de escândalos – o principal deles, o Mensalão. Diferente do que ocorreu com relação a oportunidade até hoje, ainda, desperdiçada, com o "término em pizza" da CPI do Banestado, recentemente, oito anos depois da "queda" de José Dirceu, Carlinhos Cachoeira foi, enfim, preso pela Polícia Federal. Por que tanta demora? Eu só sei que no intermeio desses 8 anos, quem perdeu foi o Brasil.

A GThec, a mais poderosa organização voltada para o jogo dos Estados Unidos chegou ao Brasil comprando a Racimec, uma empresa curitibana que prestava serviços à Caixa, relativos aos Jogos de Loterias - CEF. Não muito tempo depois, a GThec (via Racimec) passou a dominar todo o serviço de Loterias da Caixa Econômica Federal. O conselho de administração da Racimec era integrado por José Richa (ex-governador do Paraná), Karlos Rischibieter (ex-ministro da Fazenda), Carlos Alberto Vieira, Simão Brayer e Antônio Carlos Lino da Rocua. A GThec administra um negócio de 1.5 bilhão de dólares e, cerca de 15% desse montante (225 milhões de dólares), provém exclusivamente do Brasil.

André Luis Lenz

Traição de Waldomiro Diniz e as suspeitas de que assessor continuou ativo no governo pegam PT de surpresa e crise política revela ao partido o ônus de ser governo.

Luiz Cláudio Cunha e Ugo Braga

Em julho do ano passado, quando ISTOÉ revelou pela primeira vez as relações comprometedoras de Waldomiro Diniz com expoentes do jogo legal e ilegal, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, perdeu a fleuma. Em pleno domingo, entrou em contato com o amigo e assessor e cobrou explicações. Waldomiro, que já conhecia o conteúdo da reportagem, negou que tivesse relações com bicheiros e contraventores eletrônicos e disse que na manhã seguinte iria desmentir a reportagem. O ministro achou que o desmentido seria uma reação tímida demais para o tamanho da denúncia e exigiu que o assessor tomasse medidas mais consistentes. Na sexta-feira 4 de julho, Waldomiro disparou ofícios ao procurador-geral da República, Cláudio Fontelles, ao corregedor da União, Waldir Pires, e ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, pedindo de próprio punho para que fossem investigadas as denúncias feitas por ISTOÉ. Cópia dos ofícios chegou a ser entregue ao presidente Lula por Dirceu, que demonstrou surpresa com as acusações feitas ao seu subordinado. Para convencer o ministro de que nada tinha a temer, Waldomiro chegou a pedir por escrito a punição dos repórteres e a colocar à disposição das investigações os seus sigilos bancário e telefônico. Foi tudo jogo de cena. Na verdade, desde a terça-feira 1º de julho do ano passado, três dias antes de encaminhar os ofícios se colocando na posição de vítima, Waldomiro já tinha pleno conhecimento de que suas tramóias estavam registradas em fita de vídeo. Sabia também que o autor da gravação fora o bicheiro Carlinhos Cachoeira. O pedido de investigação feito ao Ministério Público federal ficou parado na Polícia Federal. O que Waldomiro não contava é que a fita gravada pelo bicheiro, em que ele é flagrado pedindo propina, se tornaria pública.

Mas essa não foi a única mentira de Waldomiro Diniz. Seu talento de operador político – já demonstrado na campanha eleitoral de 2002 – continuou sendo exercido em favor de interesses pouco ortodoxos. Depois de operar na Loterj para obter recursos financeiros para as então candidatas Rosinha Matheus e Benedita da Silva, Waldomiro continuou gastando doses cavalares de energia nos bastidores do governo Lula, sempre em assuntos de interesse dos contraventores. A sua atuação explodiu como bomba no colo do governo Lula e deixou o ministro Dirceu no alvo de um furacão. A inexperiência de ser governo fez com que a sangria não fosse estancada imediatamente, tomando proporções gigantescas, inflando a oposição e transformando a gestão do PT numa grande vidraça. A traição de Waldomiro por pouco não ceifou a esperança. Desolado, o ministro pediu desculpas aos companheiros da base do governo, durante jantar na casa do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), na noite de quarta-feira 18. Dirceu comentou que não sabia que as ações de seu subordinado tinham sido “tão criminosas e irresponsáveis”. “Queria pedir desculpas ao Brasil, mas o presidente Lula pediu que eu não fizesse isso agora”, teria afirmado o ministro, de acordo com um dos participantes do jantar.

Entre 1º de janeiro de 2003, quando foi nomeado assessor e ganhou uma sala no quarto andar do Planalto, e 14 de fevereiro, data de sua exoneração, Waldomiro participou de várias reuniões com os bicheiros, sempre tratando da regulamentação dos bingos. Há detalhes surpreendentes desses encontros. O primeiro deles aconteceu apenas cinco dias depois de o PT chegar ao poder. A atuação de Waldomiro em prol dos bicheiros nos últimos 15 meses envolve a empresa Gtech, multinacional americana responsável pelo sistema de informática das loterias da Caixa Econômica Federal. Essa empresa registra e vende as apostas, transmite, consolida e processa os dados. Presta o serviço desde 1994. Em 2000, no entanto, a direção da Caixa resolveu montar um departamento próprio para fazer o trabalho. Queria se ver um pouco menos prisioneira da Gtech. Para brecar os planos, a multinacional entrou na Justiça. O imbróglio corre até hoje.

O escândalo começa a tomar forma de maremoto quando Carlinhos Cachoeira entra no assunto. Cachoeira pertence à nova geração de bicheiros. Seu maior feito no ramo foi erguer a plataforma de controle online de apostas. Conseguiu emplacar seu produto em Goiás na década de 90. Depois, ungido pelo sucesso, espalhou-se por Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro. Guardada a devida proporção, fazia nos Estados o que a Gtech fazia no plano nacional. Carlos Cachoeira prefere ver o jogo regulado por um sistema online de controle das apostas. A arrecadação se daria sobre o apurado total – metade para a União, operada pela gigante Gtech, metade para os Estados, operada por ele mesmo.

Na moita – Para viabilizar seu plano, Cachoeira telefonou à Gtech. Falou com o então presidente da empresa, Antônio Carlos Lino da Rocha. Disse-lhe ter meios de influir no projeto de regulamentação dos bingos. Era fim de 2002. Combinaram uma data e marcaram a reunião. No dia 5 de janeiro de 2003, Lino da Rocha hospedou-se no Blue Tree Park, hotel cinco estrelas de Brasília, vizinho ao Palácio da Alvorada. Junto com ele estava Marcelo Rovai, então diretor da Gtech. Na manhã seguinte encontrariam Cachoeira e seu contato no novo governo. No dia 6 de janeiro, terça-feira, o bicheiro foi ao Blue Tree acompanhado do recém-empossado subchefe da Casa Civil, Waldomiro Diniz, seu velho conhecido do Rio. “Quando chegamos, o José Genoino estava saindo do hotel. O Waldomiro se escondeu atrás de um vaso de planta para ele não nos ver”, contou Cachoeira ao Ministério Público. No encontro, além de abençoar a estratégia conjunta da Gtech com Cachoeira, Diniz se comprometeu a atuar para renovar o contrato com a Caixa. Apertaram as mãos e despediram-se. Foi a última vez que o quarteto se encontrou. Dias depois o bicheiro viajou com a família para o Exterior, em férias.

No dia 13 de fevereiro, Lino da Rocha e Rovai voaram a Brasília. Encontraram-se de novo com Waldomiro. O trio voltou ao Blue Tree no dia 31 de março. Desta vez, a fatura do hotel foi paga com o cartão de crédito corporativo da Gtech. Outro encontro entre os três ocorreu no dia 3 de junho. Foi quando Cachoeira, recebeu um telefonema de um terceiro diretor da Gtech, que lhe contou pormenores da negociação com o assessor do ministro José Dirceu. Descartado do grupo, o bicheiro ficou fulo. Chamou Waldomiro e o esculachou. Soube que repórteres da ISTOÉ investigavam as relações perigosas dos jogos eletrônicos e bicheiros.

Em 8 de abril – época em que Diniz e diretores da Gtech se confraternizavam sem a presença de Cachoeira – saiu a renovação do contrato com a CEF. Pelo novo acerto, o banco e a multinacional aceitaram permanecer abraçados por mais 25 meses. A empresa deu 15% de desconto à Caixa. Um de seus diretores afirma que tal solução custou um pedágio de R$ 10 milhões em propinas. Antônio Carlos Lino da Rocha e Marcelo Rovai deixaram a Gtech seis meses depois. O banco estatal nega qualquer irregularidade. Afirma que a renovação foi acompanhada passo a passo pela procuradora da República Raquel Branquinho. Ela diz não ter nada com o assunto.

Reincidente – Tentando minimizar os estragos, o Planalto anunciou, na quarta-feira 18, a criação de uma comissão de sindicância para apurar a atuação de Waldomiro dentro do governo, com prazo de 30 dias para apresentar conclusões preliminares. O próprio líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), já admitia a hipótese – negada no início – de que Waldomiro possa ter exercido tráfico de influência durante a sua permanência na Casa Civil. “É possível que (Waldomiro) tenha usado o cargo para favorecer alguém, mas ele não tinha poder de decisão. Não lidava com orçamento, não tinha verba”, afirmou Mercadante. Apreensivos com a sorte do ministro Dirceu, a quem Waldomiro respondia, um grupo de parlamentares imaginava ter encontrado a bóia de salvação do chefe da Casa Civil: a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Encarregada de investigar a ficha de todo candidato a cargo de confiança no governo, a Abin seria apontada como responsável pelo deslize de acomodar Waldomiro num gabinete privilegiado do quarto andar do Palácio do Planalto. A agência não teria soado o alarme. “É, isso faz sentido”, admitiu Dirceu a um deputado aliado, na terça-feira.

O negócio é que existem sólidas evidências de que o personagem Waldomiro Diniz era bem conhecido pela Abin. Em dezembro de 2002, dias antes da nomeação, chegou à agência o pedido protocolar de LDB (Levantamento de Dados Biográficos) de Waldomiro Diniz. A Abin trabalhou direitinho: alertou que “havia indícios de envolvimento com a máfia dos bingos no Rio, quando presidia a Loterj”. A LDB saiu do Cedoc e voltou, dias depois, com “ordens superiores”: “Nós avaliamos fatos e pessoas, não indícios”, teria dito a diretora-geral da Abin, Marisa Diniz. Exterminaram os indícios e sobraram apenas dados burocráticos. Waldomiro pôde tomar posse do cargo sem sobressaltos.

Desde então, a Abin sabia que não era saudável levantar certos fatos da vida de Waldomiro. Tanto que, na sexta-feira em que explodiu o escândalo, o diretor do Cedoc, David Bernardes, recebeu um telefonema de manhã cedo: “E aí, tudo bem? Estamos cobertos?”, perguntava, com certa preocupação, seu superior na Abin, José Irigaray, secretário-executivo de Planejamento. A salva de artilharia que se prepara no Planalto deve mirar a diretora Marisa Diniz, na agência desde dezembro de 2000. Agora, o Planalto vai tentar dizer que dona Marisa da Abin “lavou” a LDB de Waldomiro e induziu o governo ao erro fatal.

Barra pesada - Waldomiro Diniz já vem sendo investigado pela polícia americana desde a década de 90 por suas ligações com a exploração de jogos eletrônicos. A inteligência militar soube da investigação americana antes de Waldomiro assumir a Loterj. Segundo um documento da Interpol, à frente da Loterj, ele foi considerado uma peça-chave do esquema internacional de lavagem. Em outro documento de 2001, em poder da PF, são colocadas restrições sobre suas atividades: “Um homem influente no meio político, capaz de garantir financiamento de campanhas eleitorais, mas que exerce atividades suspeitas.” De acordo com um policial que investigou o crime organizado, ele foi um dos responsáveis pela expansão dos bingos no Rio. Citando um relatório dos americanos, o mesmo policial disse que boa parte do dinheiro das campanhas a partir de 1990 saiu do contrabando de máquinas para jogos eletrônicos.

Hélio Contreiras

Demissão abre crise na Cultura - Um pedido de demissão coletivo na quarta-feira 18 deixou explícito um racha que havia no Ministério da Cultura. O estopim foi a exoneração de Roberto Pinho, que era secretário de Desenvolvimento de Programas e Projetos Culturais do Ministério, na segunda-feira 16. Numa só portaria, o ministro Gilberto Gil demitiu o seu guru político, amigo e compadre e acabou com uma amizade de 40 anos, alegando que Pinho o induziu a assinar um contrato irregular entre o governo e o Instituto Brasil Cultural (Ibrac), que iria executar a construção de 16 Bases de Apoio à Cultura em regiões carentes. O contrato de R$ 24 milhões financiados pela Petrobras foi cancelado depois que uma auditoria detectou irregularidades na escolha do Ibrac e da empresa MC Consultoria e Assessoria Empresarial. “O meu compromisso é com a política cultural, está acima das amizades”, avisou Gil.

A exoneração de Pinho esfacelou uma coesa turma de amigos baianos que atuava junto desde a década de 60 na militância cultural e política, da qual faziam parte o secretário executivo Juca Ferreira e o antropólogo e compositor Antônio Risério. Todos trabalharam juntos em 1988 quando Gil foi secretário de Cultura de Salvador. Risério pediu demissão em solidariedade a Pinho e levou com ele o coordenador do programa de recuperação de monumentos, Marcelo Ferraz, e a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Maria Elisa Costa. A carta, assinada pelos três, diz que a saída de Pinho resultou de “disputa de poder e intrigas”, trazendo o racha à tona: de um lado a turma de Roberto Pinho e do outro a de Juca Ferreira. Gil, que elogiou a atuação dos ex-funcionários, disse que já esperava essa reação. Agora, acredita, acabou a dicotomia em sua equipe.

Leonel Rocha

Bispo Rodrigues é afastado da Universal - O deputado federal bispo Rodrigues (PL-RJ) tornou-se a mais nova vítima de Waldomiro Diniz. Na madrugada da quinta-feira 19, Rodrigues foi destituído da função de líder da bancada da Igreja Universal na Câmara por decisão do próprio chefe da igreja, Edir Macedo. O crime do bispo foi ter recebido ajuda financeira de Waldomiro quando ele era presidente da Loterj em 2001 e 2002. O dinheiro foi utilizado para construir mais um templo da Universal no Rio de Janeiro. Macedo demitiu Rodrigues através de seu programa de tevê Fala que eu te escuto, destinado aos fiéis da Universal. Segundo Edir Macedo, “não vamos tolerar que os parlamentares que se elegeram com nosso apoio se tornem corruptos”. E aproveitou para alertar seu rebanho dizendo ainda que “os membros da nossa igreja não podem cair na tentação da corrupção na política”. 

Eduardo Hollanda

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